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PALAVRA VIVA, PALAVRA MORTA

Em outro artigo, defini “saber um idioma” como “conhecer um monte de palavras e saber quando usá-las”. Obviamente, é uma maneira simples de explicar o fenômeno chamado fluência, mas é um bom ponto de partida.

Conhecer as palavras é relativamente fácil, basta um contato mínimo com o idioma que várias delas vão entrando na sua cabeça, mas saber como – e quando – usá-las vai depender da qualidade desse conhecimento. E é disso que vou falar aqui.

Aumentar o vocabulário está sempre entre as perguntas que mais me são feitas nas caixinhas de perguntas do instagram, ou mesmo nas aulas particulares. Parece que todo mundo tem algum problema em memorizar novas palavras. E isso é verdade, mas há um outro problema anterior a esse, que é: como APRENDER novas palavras.

Sigamos o exemplo de uma aula comum. O professor pede para que o aluno leia um texto, fácil ou não, o aluno o lê e, quando empaca em uma palavrinha nova, pergunta: “Professor, o que significa X?”. O professor, prontamente, responde, “X significa Y”. O aluno se satisfaz e segue com a leitura até se enroscar em outra novidade.

 

O que aconteceu foi que, ao associar X a Y (X sendo a palavra nova em inglês e Y alguma palavra do português que a represente), esse novo vocábulo “entrou” pela via errada na memória do aluno.

 

Voltemos no tempo, ao momento em que estávamos aprendendo o nosso idioma. Quando aprendíamos uma nova palavra, ela era, geralmente, explicada a nós por meio de uma definição e exemplos. Me lembro de quando me explicaram a diferença entre acidente e incidente:

  • Incidente: algo imprevisto, que não afeta de maneira central o curso das coisas e normalmente não envolve danos, mas que pode levar a um acidente.

  • Acidente: algo imprevisto e que afeta centralmente o curso das coisas. Geralmente envolve danos e pode ter sido causado por um incidente.

Entre as duas palavras, há uma diferença de intensidade e de precedência (o incidente precede o acidente).

 

Assim, em uma viagem, se o pneu do carro fura, isso é um incidente, pois não afetou a viagem de maneira central: o pneu foi consertado e a viagem continuou. No entanto, se o pneu fura e provoca uma batida, isso foi um acidente, pois causará danos e ocasionará o fim da viagem.

 

Essa explicação e exemplos nunca saíram da minha cabeça. As duas palavras foram muito bem associadas a uma situação. Suas definições ficaram claras e muito bem “encaixadas” na minha memória. Essas palavras estão vivas, como seres vivos, com cor, vitalidade e poder.

 

 

Mas o que acontece quando aprendemos outro idioma?

 

Normalmente, não é assim. Voltemos ao exemplo do professor do X e do Y. O aluno se depara com a palavra like e pergunta o que ela significa; o professor responde que significa gostar, e isso basta pro aluno prosseguir. Mais adiante, like aparece de novo, em alguma frase assim:

Like you, I’m not from here.

O gostar não faz sentido; o professor, então, explica que não, que ali like é como. Mais adiante ainda, o aluno encontra:

Some people are more likely to have diabetes than others.

Pela raiz da palavra, o aluno pode deduzir que esse likely tem algo a ver com gostar ou com como, mas não encontra sentido na frase e, pela terceira vez, o professor explica que há outro sentido pra like, que nesse caso específico, like (mais o sufixo -ly) adquire o sentido se provável, suscetível, propenso. A frase, então, fica:

Algumas pessoas são mais propensas a ter diabetes do que outras.

E o aluno, como fica? Confuso! Like, na cabeça dele, é um aglomerado estranho de palavras distantes entre si em sentido. Esse vocabulário pra ele é morto. Não tem uma unidade, não tem poder algum.

A tradução é uma ferramenta útil e necessária no aprendizado de um idioma, mas deve ser complementada com o estudo semântico

Se compararmos a forma como o professor me ensinou incidente e acidente com a qual o segundo professor explicou like, veremos que um me deu uma definição viva do que aquelas palavras significam, o outro, uma tradução possível da palavra em inglês para o português.

 

Eis o erro:

 

Uma palavra em inglês é… uma palavra EM inglês. Uma palavra em português é uma palavra em português. Não são a mesma coisa. Esse é o problema de aprender apenas por meio de traduções e não pelo estudo SEMÂNTICO.

 

Dito isso, qualquer explicação do tipo X significa Y será insuficiente se não vier acompanhada de uma outra explicação semântica mais aprofundada.

 

E o que acontece quando aprendemos errado? As associações são feitas de maneira pobre e intermediária. Você usa o português como um intermediário seu para o inglês. É inevitável usar o português como um intermediário, mas essa ponte deve ser apenas uma ferramenta, não a essência do aprendizado.

 

As consequências desse aprendizado são que as palavras serão mortas, confusas e de difícil acesso. Tudo isso contribui muito para um mau domínio do idioma. O caminho correto é associar as palavras em inglês ao que elas realmente representam, não a uma tradução possível para o português.

 

A imagem abaixo mostra como é o processo de associação das palavras na memória quando usamos apenas a tradução como ferramenta de aprendizado.

Na associação indireta, as palavras em inglês são vinculadas a suas traduções pro português, e não às coisas que representam

A palavra dog foi associada não ao ser cachorro, mas à palavra cachorro em português. Quando fazemos isso, ao ouvirmos a palavra dog, pensamos primeiro na palavra cachorro para depois pensarmos no animal, no ser real. Existe uma ponte entre a língua aprendida e a realidade. Essa ponte é o português.

 

Aprendendo pelo estudo semântico das palavras, e fazendo as corretas associações, o inglês será associado DIRETAMENTE à realidade (assim como o português foi quando o aprendemos). Dessa forma, teremos o seguinte processo:

Associando as palavras diretamente ao que elas representam, ela se tornam vivas na nossa memória

Nesse esquema, a palavra dog foi associada diretamente ao animal, àquilo que ela representa. O aprendizado assim será mais profundo e eficiente, e as palavras, na sua memória, serão vivas!

 

 

 

Um pequeno parêntesis para explicar o que eu quero dizer com palavras vivas. As palavras têm um poder, provocam um efeito.  Esse efeito é resultado de como as aprendemos. Por exemplo, a palavra mãe tem geralmente um efeito emocional positivo, porque associamos essa palavra não só a nossa mãe, mas também a tudo o que ela nos representa: carinho, conforto, cuidado etc.. Um palavrão pode gerar desconforto, porque foi associado a um sentimento ruim, a más intenções. Palavras indecentes podem provocar repulsa, timidez e até nojo. Tudo isso vem da maneira como as aprendemos: em contextos reais e associando-as ao que elas realmente representam.

 

Agora, imagine a situação: você está andando por aí quando, de repente, alguém te xinga em inglês. Você sabe o que aquele xingamento significa, você reconheceu as palavras, qual é o efeito provocado? Você poderá sentir desde um leve desconforto (muito menor do que se a pessoa te xingasse em português) até mesmo vontade de rir. O efeito foi diferente. Por quê? Porque as associações não são as mesmas. As palavras em inglês estão vinculadas mais a um contexto pedagógico do que à realidade, enquanto as palavras em português estão associadas à realidade.

 

Quando corrigimos isso, quando associamos corretamente as palavras na nossa memória, elas passam a ter em nós o seu real efeito, elas passam a ser VIVAS.

SENTIDO E TRADUÇÃO

Voltemos ao exemplo do like para entendermos um outro aspecto do problema. Já disse que uma palavra em inglês não é uma palavra em português. Certo. Para entender isso, precisamos perceber a diferença entre SIGNIFICADO e TRADUÇÃO.

  • SENTIDO: é a definição da palavra, é conceito que explica o que ela representa. O significado é constante, é sempre o mesmo.

  • TRADUÇÃO: é uma forma de dizer algo em outro idioma. Não é constante, é contextual, pode mudar de uma frase pra outra.

Para chegar ao sentido de uma palavra é preciso um estudo semântico dela, ler sua definição no dicionário e, muitas vezes, fazer um estudo etimológico (origem da palavra). Uma vez entendido o sentido, você entendeu o poder que aquela palavra tem, o efeito que ela provoca. Só então você estará apto a traduzi-la nos diversos contextos.

 

Na tradução, você, depois de ter entendido as palavras, vai se perguntar “e agora, como eu digo essa mesma coisa – como eu transmito esse mesmo efeito – em português?”. E, de novo, isso pode mudar muito de contexto para contexto – como vimos no exemplo da palavra like.

 

Quando você entende de fato uma palavra, você atinge o campo semântico dela, ou seja, tudo o que ela pode representar, todo o efeito que ela provoca. E então você perceberá que uma palavra em inglês representa certas coisas da realidade e algumas dessas coisas representadas por ela coincidem com o que a tradução dela representa. Mas nem tudo coincide. Por exemplo: like coincide com gostar em algumas coisas, mas não em outras.

 

A imagem abaixo deixa isso bem claro:

Não existe equivalentes perfeitos entre as palavras de idiomas diferentes

Os círculos representam o que as palavras like e gostar significam e representam. O campo de interseção no meio é quando elas coincidem em seu sentido e representatividade.

 

Para que isso fique mais claro ainda, vamos fazer um estudo semântico de like e gostar.

  • GOSTAR: a palavra gostar deriva do latim gustare e tem o sentido de saborear; está relacionada ao sabor, ao efeito sensível que algo provoca.

  • LIKE: deriva do alemão arcaico lik, raiz que tinha o sentido de forma, corpo, semelhança.

A origem das palavras importa muito, por meio dela descobrimos o sentido essencial dela e entendemos como esse sentido original foi sendo expandindo e abarcando aplicações análogas.

 

Pela etimologia das duas palavras vemos que, em português, o gostar está relacionado à sensibilidade, ao prazer sensível que algo provoca, enquanto, em inglês, está relacionado à semelhança, à afinidade e até mesmo à conformidade.

 

Agora, comparemos as frases:

I like movies.

(Eu gosto de filmes.)

Em inglês, essencialmente, estamos dizendo que filmes e eu somos parecidos, somos afins, que temos muito em comum, que combinamos, por isso eu vejo filmes. Já em português, dizemos que gostamos do sabor de filmes, que o que nos atrai é o efeito sensível que ele provoca.

 

Se levarmos esse entendimento para outros contextos, teremos a explicação de por que o like muda tanto de tradução.

 

Retomando aos exemplos lá de cima do aluno confuso.

Like you, I’m not from here.

(Como você, não sou daqui.)

Neste exemplo, o que estamos dizendo é que há uma afinidade entre você e eu, que combinamos em algo, no fato de não “sermos daqui”.

Some people are more likely to have diabetes than others.

(Algumas pessoas são mais propensas do que outras a ter diabetes.)

Aqui, estamos dizendo que algumas pessoas têm mais em comum com o desenvolvimento da diabete do que outras, ou seja, há nelas mais elementos que se conformam com a doença. Daí tiramos a noção de probabilidade.

 

 

 

Podemos pegar a palavra gostar e ver como ela se aplica em contextos em que like não cabe. Por exemplo em degustar. Esse verbo deriva do verbo gostar e tem o sentido e experimentar, de provar o gosto de algo. Como em inglês o like não foca no efeito sensível das coisas, mas na afinidade, não podemos usar um derivado de like para expressar isso, daí recorremos ao verbo taste que, esse sim, está vinculado ao sensível, ao sabor.

COMO ESTUDAR?

Creio que as explicações acima deixaram bem claro o problema. Mas, e a solução? Há diversas formas de remediar isso e estudar da maneira correta. Aqui vou expor algumas e, em artigos futuros, trarei mais.

UNIDADE SEMÂNTICA

O que fizemos com a palavra like foi um estudo da sua UNIDADE SEMÂNTICA. Esse estudo consiste em entender a definição das palavras, sua etimologia, de modo que o seu campo semântico se torne claro para nós.

 

A unidade semântica é uma definição da palavra, é um entendimento dela que abrange todas as suas aplicações. Como vimos, aquela definição de like abrange todas as suas aplicações possíveis. Assim, entendemos que, quando falamos, em inglês, sobre coisas que preferimos, coisas das quais gostamos, expressamos afinidade e conformidade, por meio do verbo like; já em português, o fazemos pela expressão de um efeito sensível agradável.

 

Acho que isso deixa bem óbvio que a palavra like NÃO É a palavra gostar, mas sim que ambas são aplicadas nessa situação específica.

 

Pode não ser muito fácil e simples fazer o estudo da unidade semântica das palavras de início, mas é algo muito frutífero e benéfico.

 

Os meios para isso são:

  • PESQUISAR AS DEFINIÇÕES: procure as palavras em DICIONÁRIOS, não em tradutores apenas. Leia suas definições, suas aplicações e derive delas um sentido comum.

  • ESTUDO ETIMOLÓGICO: a etimologia vai direto no coração do problema, revelando a origem da palavra e seu sentido essencial. Algumas palavras têm origem confusa ou mesmo desconhecida, o que pode complicar o estudo da sua unidade semântica, mas não o impede.

Para essas pesquisas, recomendo três dicionários:

  • MERRIAM-WEBSTER: muito bom para pesquisar as definições das palavras.

  • MACMILLAN: ótimo para pesquisar as diversas aplicações de uma palavra

  • ETYMONLINE: para a pesquisa da etimologia das palavras.

LEITURA EM VOZ ALTA

A leitura em voz alta é extremamente eficiente para que as palavras ganhem cor e vida na sua memória. Mas não basta pegar um texto e lê-lo em voz alta, é preciso ATENÇÃO e IMAGINAÇÃO. Leia textos lentamente, em voz alta, imaginando VIVAMENTE o que está lá, e releia o mesmo texto várias vezes, reimaginando tudo. Isso fará com que você associe as palavras ao que elas representam de fato, e não as suas traduções para o português.

 

Quanto a este exercício, há uma postagem minha no instagram ensinando o passo a passo. Leia-a e acrescente esse fator da IMAGINAÇÃO VIVA (clique aqui para acessar a publicação).

 

Há também um artigo meu aqui no blog com algumas dicas para a leitura em voz alta, leia-o clicando aqui.

Este assunto ainda precisa ser muito desenvolvido, o que farei em posts e artigos futuros. Por ora, creio que você já tem o bastante para começar a endireitar o seu estudo do inglês e começar a aprender palavras VIVAS e não mortas.

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